Morre aos, 73 anos Lô Borges, ícone do Clube da Esquina e um dos grandes nomes da MPB
03/11/2025Cantor e compositor mineiro estava internado em Belo Horizonte desde 18 de outubro, tratando um quadro de intoxicação medicamentosa
Lô Borges em foto de 1988 — Foto: Fernando Quevedo / Agência O Globo
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Morreu na noite deste domingo (2), aos 73 anos, o cantor e compositor Lô Borges, um dos fundadores do histórico movimento Clube da Esquina e referência da MPB. Ele estava internado no Hospital Unimed, em Belo Horizonte, desde 18 de outubro, para tratar um quadro de intoxicação medicamentosa. Depois de passar por traqueostomia, Lô vinha respirando com auxílio de ventilação mecânica.
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O velório de Lô Borges será realizado nesta terça-feira, 4 de novembro, de 9h às 15h, no Foyer do Grande Teatro Cemig do Palácio das Artes, em Belo Horizonte. A cerimônia será aberta ao público, mas o enterro do criador do Clube da Esquina será na sequência e restrito aos familiares e amigos do músico.
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O ícone do Clube da Esquina e um dos grandes nomes da MPB morre aos 73 anos
Ícone de um movimento
Partiu num trem azul o garoto da rua, da bola de gude. Lô Borges seguiu menino a vida inteira. Fez de uma esquina o mundo e sonhou os sonhos que não envelhecem. Tudo passou por ele naquela Belo Horizonte dos anos 1970 — tido como sujeito gentil e agregador, de coração sempre manso, Lô foi fundamental para que todos os astros se alinhassem ali, na hora e nas ladeiras certas. Mais do que um jeito de se fazer canção, com todas as suas camadas tão singulares, o Clube da Esquina virou um estado de espírito, viagem de ventania.
Nascido na capital mineira no dia 10 de janeiro de 1952, Salomão Borges Filho construiu uma das trajetórias mais marcantes da MPB. Ao lado de Milton Nascimento, Beto Guedes, Fernando Brant e do irmão, Márcio Borges, entre outros nomes, foi peça fundamental no movimento que revolucionou a música brasileira nos anos 1970, unindo sonoridades latino-americanas ao rock, ao jazz e à música folclórica.
Era Lô quem organizava, nos idos dos anos 1960, o encontro da molecada no cruzamento silencioso das ruas Divinópolis e Paraisópolis, no tranquilo — e desde sempre boêmio — bairro de Santa Tereza, região leste de BH. A turma que se reunia ali para jogar bola, bater papo e tocar violão inspirou a canção “Clube da Esquina”, presente no quarto álbum de Milton Nascimento, “Milton” (1970), e que acabou batizando também um discos mais celebrados no mundo: “Clube da Esquina”, de Milton Nascimento e Lô Borges, de 1972.
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A música virou disco e o disco virou movimento. Algumas referências vieram de fora, como os Beatles, pilar fundamental da estética inaugurada por aquela safra de músicos e poetas mineiros. Mas vieram, principalmente, dali mesmo, de Minas Gerais e de sua geografia montanhosa, das janelas laterais, das vielas, das ladeiras íngremes, e de todas as suas cores e nuances próprias, das quais Lô e companhia sempre cantavam orgulhosos. “Sou do mundo, eu sou Minas Gerais”, afirmaram na canção-carta “Para Lennon e McCartney”, parceria dele com Fernando Brant e Márcio Borges, e que ficou famosa na voz de Milton Nascimento.
Lô era um dos 11 filhos do jornalista Salomão Borges e da professora Maria Fragoso Borges, a Dona Maricota, que moravam na Rua Divinópolis. Era uma casa festiva, acolhedora, que serviu de abrigo para diversos encontros da turma que orbitava os Borges, entre eles Toninho Horta, Wagner Tiso, Tavito, Flávio Venturini e Beto Guedes.
O encontro com Milton
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Num determinado período, por um problema na fundação, a casa de Santa Tereza entrou em obra. A família se mudou temporariamente para o Edifício Levy, no Centro de BH. Por um desses acasos que viraram lenda na história da música brasileira, um encontro de cometas, foi na escada do prédio que Lô escutou pela primeira vez uma voz incomum e que mudaria sua vida.
— Uma semana depois que chegamos ao Levy, minha mãe pediu que eu fosse comprar café, leite e pão. Como todo garoto, preferi a escada ao elevador —contou Lô Borges ao GLOBO em entrevista publicada em 2022. — Morávamos no décimo sétimo andar. Descendo os degraus, de repente me deparo com um som divino, que ficava mais alto conforme eu descia. Eram uns falsetes de voz acompanhados de violão. Quando cheguei ao quarto andar, estava lá o Bituca. Eu era uma criança de 10 anos e o Milton um cara de 20, mas não fez a menor diferença, rolou uma empatia forte. Fiquei totalmente seduzido, abduzido por aquela voz e aquele violão dele.
Lô Borges lançou seu primeiro disco solo em 1972: com 15 faixas, “Lô Borges” ficou conhecido como o “disco do tênis”, pela foto de Cafi na capa. De lá para cá, o músico lançou outros 22 álbuns, entre trabalhos de estúdio e gravações ao vivo, como o que fez com Samuel Rosa, outro amigo e parceiro, em 2016. “Ele mudou meu jeito de compor”, disse o ex-líder do Skank sobre o ídolo, em vídeo enviado ao GLOBO. Lô, Samuel e Nando Reis assinam juntos “Dois rios”, grande hit do Skank e sexta faixa de “Cosmotron”, álbum de 2001 da banda mineira. Entre as composições mais famosas de Lô Borges, destacam-se, ainda, “Vento de maio”, “A Via Láctea”, “Paisagem da janela”, “Equatorial”, “Sonho real”, “Feira moderna” e “Quem sabe isso quer dizer amor”. Foi gravado por nomes como Elis Regina, Caetano Veloso, Lobão e Nando Reis, entre outros.
A consolidação do movimento no Rio de Janeiro
Se o Clube da Esquina, enquanto pura agitação juvenil, nasceu nas ladeiras do bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, sua consolidação como movimento musical singular se deu no Rio de Janeiro, como explicou o próprio Lô Borges em depoimento ao GLOBO, em matéria publicada em 2022.
— A esquina mesmo da Divinópolis com Paraisópolis era a realidade da família Borges. Ali era eu, meus irmãos e Beto Guedes. Flavio Venturini, Toninho Horta, Nelson Ângelo, Tavito, Wagner Tiso, cada um frequentava os lugares onde eles moravam em Belo Horizonte. Essa esquina não era muito frequentada, a não ser pelo pessoal do meu bairro, que era o bairro de Santa Tereza. Então o chamado movimento Clube da Esquina se deu na cidade do Rio de Janeiro, quando todos esse mineiros foram se encontrar no estúdio da Odeon para gravar “Clube da Esquina”, que o Bituca tinha me convidado para dividir e fazer a metade das músicas — relembrou Lô.
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Lô Borges, Milton Nascimento e Beto Guedes moraram por cerca de dez meses em Niterói, entre 1970 e 1971, na então Praia de Mar Azul, hoje conhecida como Prainha de Piratininga. Foi lá que eles compuseram quase todo o álbum “Clube da Esquina”, lançado em 1972.
Antes disso, os amigos passaram meses pulando de apartamento em apartamento na Zona Sul do Rio. Em outra entrevista publicada pelo GLOBO, também em 2022, Lô Borges contou que eles não conseguiam parar muito tempo num mesmo imóvel — em plena ditadura militar no Brasil, três jovens músicos cabeludos eram constantemente amedrontados por vizinhos e policiais truculentos.
— Foi aí que um empresário do Milton teve uma luz e conseguiu uma casa num lugar paradisíaco, e nós nos mudamos — explicou Lô sobre a ida para Piratininga.
Trabalhando até o fim
Lô Borges manteve o ofício de cantor e compositor até o fim. Desde 2019, lançou um disco autoral por ano. O último, “Céu de giz”, de agosto deste ano, trouxe canções inéditas feitas em parceria com Zeca Baleiro.
“Sempre fui grande fã do Lô Borges, desde a adolescência, quando ouvi o famoso “disco do tênis”. Fiquei encantado com a estranheza e o lirismo de suas canções (sim, eram estranhas e líricas, por paradoxal que pareça)”, escreveu Zeca Baleiro em homenagem ao parceiro publicada ontem, em suas redes sociais. “Ele começou a enviar as canções, sem letra, só melodia. Confesso que me emocionei. Eram Lô do mais “puro malte”, com aquelas harmonias incomuns, melodias amorosas, aquele ar de “beatle barroco”, sua voz icônica e familiar fazendo seus “lalalaiás” inconfundíveis… Uma epifania pra mim”, continuou.
Em publicação no perfil oficial de Milton Nascimento no Instagram, Lô Borges foi descrito como uma das pessoas mais importantes da vida e obra do mineiro. “Lô nos deixará um vazio e uma saudade enormes, e o Brasil perde um de seus artistas mais geniais, inventivos e únicos. Desejamos muito amor e força à família Borges, a qual acolheu Bituca em sua chegada a Belo Horizonte, lá nos anos 60 e, principalmente, ao seu filho Luca”, diz o post.
Fonte: O GLobo





