Após protestos no Brasil, dezenas de vistos são negados – cidadãos alegam represália e rebatem com provas

Após protestos no Brasil, dezenas de vistos são negados – cidadãos alegam represália e rebatem com provas

3 de fevereiro de 2025 0 Por Francisco Avelino

DN Brasil

O Brasil teve acesso a dezenas de documentos com indeferimentos, que seguem um padrão. “Problema não é isolado”, diz profissional contatada por mais de 30 pessoas.

Dezenas de brasileiros receberam notificações de indeferimento de vistos nos últimos dias, na sequência de protestos realizados em quatro cidades. A VFS, empresa que processa os vistos, deu o prazo até segunda-feira (03) para uma última defesa e pagamento da taxa de reapreciação, que custa quase 500 reais, mais de um terço do salário mínimo do Brasil. O maior problema alegado pelos cidadãos é o motivo do indeferimento.

DN Brasil teve acesso a documentos que mostram um “padrão” seguido para as negativas, com “documentação solicitada não apresentada”. No entanto, nos e-mails enviados à VFS e consulado, aos quais o DN Brasil também teve acesso, os cidadãos comprovam que enviaram toda a documentação solicitada e alegam não ter recebido pedidos adicionais.

Outra situação verificada nos últimos dias é o indeferimento por “reserva de alojamento fraudulenta”. Daniela Lago, que atua como operadora turística e gere reservas de alojamento em Portugal, afirma ao DN Brasil que fora os seus  clientes, recebeu mensagens de “30 pessoas que não eram clientes”. “Nos procuraram pedindo orientação sobre vistos negados ou que receberam intenções de indeferimento, demonstrando que esse problema não é isolado e está afetando um grande número de requerentes”, conta.

A profissional classifica como “especialmente preocupantes” as acusações de fraude. Daniela possui a confirmação de que a VFS Global, que gere os pedidos de visto, informou que as reservas poderiam ser canceladas ou adiadas. “Essa orientação nos deu uma falsa tranquilidade. Em vez de pedirem novas reservas quando necessário, passaram a simplesmente alegar fraude. Mesmo quando enviamos declarações oficiais da agência de turismo explicando as alterações, assinadas e devidamente documentadas, os indeferimentos continuam acontecendo”, detalha. Com a demora na análise dos vistos, os cidadãos precisam refazer as reservas e arcar com o prejuízo da remarcação.

Dezenas de documentos iguais foram enviados nos últimos dias aos cidadãos.

Dezenas de documentos iguais foram enviados nos últimos dias aos cidadãos.DR

Na passada quinta-feira, a profissional enviou à VSF um longo e-mail em que manifesta a surpresa e preocupação com as alegações de fraude. Ela solicitou que a empresa revise os casos de indeferimento por alegações de fraude, com base nas provas que se propõem a apresentar, além de pedir que seja adotado um “critério mais claro e justo” para avaliar os casos em que ajustes de reservas são necessários diante dos atrasos na análise dos pedidos. É solicitado também que as novas reservas apresentadas sejam “devidamente consideradas”, em vez de “automaticamente descartadas com base em informações desatualizadas”.

Famílias separadas

Há meses que os brasileiros requerentes de visto estão em situação de incerteza e apreensão pela demora na análise dos pedidos. São diversos os casos de casais separados porque, mesmo enviando exatamente a mesma documentação, apenas um dos requerentes teve o pedido aprovado.

Foi o que aconteceu com Anderson Souza, que já está em Portugal e aguarda a esposa. O casal fez o pedido de visto de procura de trabalho juntos em agosto do ano passado, em São Paulo, mas só o dele foi aprovado, enquanto o dela ficou sem respostas – até esta semana. Ela recebeu a notificação de negativa do visto, sob a justificativa de não ter enviado todos os documentos necessários. Em carta de defesa em que pede recurso, a qual o DN Brasil teve acesso, a brasileira explica que não recebeu nenhum contato entre 13 de setembro de 2024 e 27 de janeiro deste ano com pedido de documentos, período em que enviou diversos e-mails à empresa solicitando informações sobre o status do pedido.

Na carta, em que pede uma nova análise do processo, explica que pede o visto “na melhor das intenções”, e que tem em mãos tudo que é exigido pela lei, como a comprovação financeira e o certificado de não ter antecedentes criminais. Anderson acredita que a negativa é uma “retaliação” após os protestos, mesmo que a esposa não tenha participado.

O mesmo aconteceu com Tatiana Santos, que está no Brasil – o marido e a irmã já moram em Portugal. A brasileira recebeu nesta semana uma notificação extrajudicial informando a negativa do visto por falta de documentação, mas sem informar qual documento exato estava faltando. “Na hora eu respondi no mesmo e-mail perguntando qual era, e eles responderam que não havia nenhum documento em falta. Eu não entendi nada”, desabafa.

A cidadã já saiu do emprego, vendeu a casa e tudo que tinha, estando com o dinheiro reservado para a viagem. Mesmo assim, reuniu quase 400 reais para ir pessoalmente ao consulado, onde recebeu um papel com a informação de que faltavam “todos os documentos” obrigatórios. “Eu cheguei a chorar lá”, conta.

Ela ainda conta casos em que, com a mesma reserva de alojamento para casais, o pedido foi aceito e o outro negado. A brasileira ainda relata outras situações estranhas. “Já tivemos casos em que um cliente recebeu o visto e, dias depois, a VFS ainda informava que o processo estava em análise. Em outro caso, um visto foi negado e, em seguida, a VFS enviou um e-mail desejando “boa viagem” ao requerente”, conta.

Outra requerente, que prefere não ser identificada e está a acompanhar os casos, disse que é “estranho” a onda de indeferimentos acontecer logo após os protestos. “E ainda querem ganhar mais dinheiro em cima das pessoas, com a cobrança dessa taxa sem explicações. As pessoas já estão com pouco dinheiro por conta de tanto atraso”, destaca.

A brasileira pontua que o objetivo do protesto era que as autoridades agilizassem os vistos – e não uma onda de negativas, apesar de alguns não terem aceitado participar justamente por medo de represálias.

DR

DN Brasil procurou o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) e a seção consular da Embaixada de Portugal em Brasília, mas não obteve resposta.

amanda.lima@dn.pt

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os são escritos em português do Brasil.

Fonte: DN