MPRJ cobra da PM que câmeras sejam instaladas em viaturas

MPRJ cobra da PM que câmeras sejam instaladas em viaturas

16 de dezembro de 2020 0 Por Francisco Avelino

Corporação diz que estudo preliminar para compra de equipamentos foi concluído no início deste ano, mas com a pandemia empresas do setor adiaram lançamento de tecnologias avaliadas pela secretaria.

PMs foram expulsos da corporação após homicídio e ocultação de cadáver no morro do Sumaré — Foto: Reprodução/GloboNews

O caminho de investigações no Rio de Janeiro envolvendo policiais poderia ser mais “curto” se o estado cumprisse uma lei em vigor há 11 anos. Aprovado em 2009, a projeto de lei estabelecia a instalação de câmeras de vídeo e de áudio nas viaturas da Polícia Militar, e previa que as imagens deveriam ficar arquivadas por dois anos.

O uso do equipamento foi determinante para esclarecer crimes cometidos por agentes de segurança, como foi no caso do assassinato de um adolescente na Favela da Palmeirinha, em 2015.

No mesmo ano da morte na Palmeirinha, foi firmado entre o MP e a PM um termo de ajustamento de conduta, um TAC, que na cláusula 10.2 estabelece que o estado deverá equipar as viaturas da corporação com câmeras “que garantam a transparência nas ações dos agentes militares”.

Entre idas e vindas, autoridades têm tentado fazer com que o uso das câmeras seja permanente. Recentemente, o Ministério Público estadual (MPRJ) cobrou da PM um cronograma para a instalação dos equipamentos.

Trecho de TAC assinado pela PM e pelo Ministério Público do Rio, em 2015 — Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Trecho de TAC assinado pela PM e pelo Ministério Público do Rio, em 2015 — Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

MP volta a cobrar a instalação de equipamentos

Mesmo com a lei e, mais tarde, com a assinatura do TAC, a instalação das câmeras não tem previsão de ser cumprida pela polícia. As tentativas frustradas de tirar do papel o que há mais de uma década foi estabelecido por lei levaram o MP a tentar uma abordagem mais incisiva.

Há menos de um mês, no dia 19 de novembro, o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do MP emitiu uma recomendação à Secretaria de Polícia Militar com cinco pontos fundamentais (veja quais são mais abaixo).

Para a promotora de Justiça Claudia Türner, subcoordenadora do Gaesp, o uso das imagens de câmeras nas investigações representaria uma enorme contribuição às investigações de crimes envolvendo policiais.

“[A mudança] Promoveria uma verdadeira revolução no sistema de justiça, na medida em que permitiria que investigadores, promotores e juízes revivessem os fatos através de um registro imparcial e fidedigno da realidade”, opinou a promotora.

Segundo ela, o resultado prático da seria o aumento dos índices de elucidação de homicídios e
“de todo e qualquer crime que seja apurado na atividade de policiamento”.

Os cinco pontos fundamentais na recomendação do MP:

  1. Estudos técnicos preliminares sobre a aquisição e uso de câmeras para as viaturas da polícia militar e de câmeras de registro de som e imagem instaladas nos equipamentos dos policiais militares, também conhecidas como body cams ou worn cameras;
  2. Que os estudos sejam elaborados com base em evidências científicas e tecnologias apropriadas às atividades de segurança pública;
  3. Que os estudos englobem os serviços de tecnologia de informação acessórios à instalação das câmeras essenciais ao seu bom funcionamento;
  4. O cronograma físico-financeiro para o cumprimento progressivo dos itens 10.2 e 10.3 do TAC da PMERJ, dotado de viabilidade e sustentabilidade institucionais;
  5. Eventual programa de trabalho e as respectivas ações orçamentárias dos anos de 2020/2021, que contemplam os custos decorrentes das demandas dos itens 10.2 e 10.3, com a devida informação sobre valores indicados no Programa de Lei Orçamentária Anual, com valores empenhados e executados.

Em outro trecho do documento, a promotora ressaltou ter notado “grande resistência a respeito do uso de câmeras corporais por policiais militares”. Segundo ela, a resposta da PM foi que a implementação do equipamento não era “prioridade na corporação”.

No ano passado, chegou a ser anunciado pela secretaria que PMs usariam microcâmeras nos uniformes. O projeto, previsto para ser testado na Favela Rocinha até o fim do primeiro semestre de 2019, não alavancou. Na época, chegou a ser noticiado que o equipamento serviria para monitorar os próprios policiais, principalmente nas abordagens nas ruas.

O que diz a PM

Em nota enviada ao G1, a Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que “há um estudo preliminar para a aquisição de novos equipamentos de captação de imagens”, e que o plano foi concluído no início de 2020.

Entretanto, a pasta afirma que com a pandemia de Covid-19, “grandes empresas do setor adiaram o lançamento de tecnologias que estavam sendo estudadas para a utilização da SEPM, como as que envolviam a transmissão de dados através da banda 5G, por exemplo”.

A PM acrescentou que “os estudos seguem em curso e se readequando para avaliação e aquisição das novas atualizações tecnológicas após a pandemia”.

Último trâmite na Alerj

Em agosto deste ano, o tema das câmeras em viaturas voltou à Assembleia Legislativa do estado. Depois de uma espera de cinco anos, foi levado ao plenário da Casa o projeto de lei 265/2015, propondo atualizações à lei de 2009, de Gilberto Palmares.

Na proposta do deputado Carlos Minc (PSB), que muda a lei original, é previsto, por exemplo, que o Poder Executivo seja autorizado a instalar microcâmeras nos uniformes dos policiais Civis da Core, a Coordenadoria e Recursos Especiais da Polícia Civil, e da PM.

Alerj — Foto: Thiago Lontra/Divulgação

Outros parlamentares acrescentaram sugestões para modificar o projeto, como a disponibilidade das imagens por até cinco anos, a instalação gradativa nas viaturas que já existem, além de pedidos de sigilo para utilização das imagens.

Após receber as emendas, a proposta saiu de pauta e não havia data para voltar até a publicação desta reportagem.

Comissão da OAB cobra equipamentos

Emilly e Rebeca foram assassinadas enquanto brincavam na porta de casa, em Duque de Caxias, no dia 4 de dezembro — Foto: Reprodução/TV Globo

O advogado Rodrigo Mondego, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ) acredita que com as câmeras o caso das primas Emily e Rebecca, mortas em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, já estaria mais próximo de uma solução. As crianças morreram após ferimentos em pontos como coração, fígado e cabeça.

“Se tivesse hoje a lei implementada e as câmeras funcionando em todas as viaturas da Polícia Militar, com certeza essas imagens serviriam ou como defesa desses policiais, que estavam passando no local e afirmam que não deram nenhum tiro, ou para reafirmar o que as famílias da Emily e da Rebecca afirmam categoricamente: que o tiro partiu da viatura da Polícia Militar”, opinou Mondego.

Para ele, policiais que atuam de acordo com a lei não têm o que temer com a aplicação da lei.

“Só quem tem interesse de uma lei dessa não ser implementada são os maus policiais, aqueles que não querem que o seu trabalho seja fiscalizado, seja visto. O bom policial não tem problema nenhum em ser gravado no seu cotidiano, ele não tem problema nenhum de ter a imagem usada apenas em caso de crimes”, afirmou ao G1.

Imagens foram decisivas

Dois casos em que imagens das câmeras em viaturas foram decisivas para que as investigações fossem concluídas são lembrados pelo representante da OAB.

Em 2014, três jovens foram levados por PMs para a Estrada do Sumaré, na Zona Norte, por supostamente estarem cometendo crimes no Centro do Rio. Um deles foi assassinado. Outro fingiu estar morto e teve o corpo do amigo jogado sobre ele, mas conseguiu fugir.

Um ano depois, na favela da Palmeirinha, em Honório Gurgel, adolescentes conversavam na porta da casa de um deles quando foram atingidos por tiros disparados por policiais. Um deles, Alan de Souza, não resistiu e morreu. Nenhum deles estava armado, mas fugiram com a chegada da polícia.

Chauan Jambre Cezário foi baleado por PMs na Favela da Palmeirinha, em 2015 — Foto: Reprodução/TV Globo

Chauan Jambre Cezario, atingido no peito com um tiro, entrou no carro da PM e foi levado para um hospital. Ele foi detido por preso por porte de arma e resistência, mas a Polícia Civil pediu a liberdade dele depois do depoimento.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

Imagens mostram agonia de rapazes e apelo de moradores. — Foto: Reprodução / TV Globo

Imagens mostram agonia de rapazes e apelo de moradores. — Foto: Reprodução / TV Globo

“O que foi levado para o hospital foi acusado de cometer um crime. Então, ele foi preso ainda, né? Essa imagem serviu não só para punir os autores do crime, mas também para libertar esse rapaz que não tinha cometido crime nenhum, ele estava simplesmente na porta de casa, conversando com os amigos”, lembrou Mondego.

Nos dois casos, as imagens contribuíram para revelar tentativas de fraude processual – no caso da Palmeirinha –, e de ocultação do cadáver de uma das vítimas, no Sumaré.

Fábio Magalhães e Vinicius Lima, acusados de executar Matheus Alves dos Santos com um tiro na cabeça, foram expulsos da PM. Em 2018, a Justiça manteve a condenação a 36 anos e quatro meses de prisão por homicídio e ocultação de cadáver.

Fonte: G1 Rio de Janeiro

Por Henrique Coelho e Nicolás Satriano, G1 Rio